sábado, 23 de abril de 2011
A Revelação Espírita
O primeiro capítulo de A Gênese, intitulado “Caráter da Revelação Espírita”, traz uma análise muito importante sobre o Espiritismo, sobre aquilo em que se baseiam seus valores, sua autenticidade, suas características. Não é à toa que Torchi,1 por exemplo, considera este assunto “um dos mais importantes para compreensão correta do que é o Espiritismo”, dedicando um capítulo inteiro de sua obra ao desdobramento do assunto.
Nesta matéria, pretendemos chamar a atenção para uma característica que só o Espiritismo possui enquanto conhecimento humano. Trata-se do caráter duplo da Revelação Espírita: o caráter divino e o científico. Apresentaremos um resumo da parte inicial do referido capítulo de A Gênese, para introduzir o assunto ao leitor, e faremos duas comparações: uma entre o Espiritismo e a Ciência e outra entre o Espiritismo e o conjunto da obra mediúnica, recebida pelo Chico Xavier, no contexto dos dois caracteres da revelação espírita.
No item 1, do citado capítulo, Kardec apresenta uma série de questões sobre o valor do Espiritismo como, por exemplo: Pode o Espiritismo ser considerado
uma revelação? Neste caso, qual o seu caráter? Em que se funda a sua autenticidade? A quem e de que maneira foi ela feita? [...].2
Essas questões são extremamente importantes para nós espíritas, pois suas respostas fornecem a base para a fé raciocinada que temos no Espiritismo.
Kardec, um excelente educador, sabendo da importância da clareza da linguagem, analisa o significado da palavra “revelação” para, então, responder às questões acima com profundidade. A palavra “revelar” vem, segundo Kardec, “do latim revelare, cuja raiz, velum, véu, significa literalmente sair de sob o véu [...], descobrir, dar a conhecer uma coisa secreta ou desconhecida”.3 Em seguida, Kardec fala dos sentidos científico e religioso dessa palavra que, no primeiro caso, significa descobrir os mistérios da Natureza, e no segundo caso a descoberta “das coisas espirituais que o homem não pode descobrir por meio da inteligência, nem com o auxílio dos sentidos [...]”.4 Ele enfatiza que para uma coisa ser considerada uma “revelação”, é necessário que seja verdade e por isso “toda revelação desmentida por fatos deixa de o ser, se for atribuída a Deus”.5
No item 4 e seguintes, Kardec analisa a pessoa através da qual a revelação científica ocorre. Ele apresenta um conceito de professor considerando-o como um revelador de segunda ordem por ensinar (revelar) aquilo que aprendeu. O homem de gênio é aquele que Kardec define como quem descobre por si mesmo os mistérios e leis da Natureza, considerando-o um revelador primitivo.Nesse ponto do capítulo I, da referida obra, é oportuno citar o comentário de Kardec a respeito do pensamento materialista que considera os homens de gênio como sendo pessoas com um cérebro mais avantajado, dizendo: “Neste caso, não teriam mais mérito que um legume maior e mais saboroso do que outro”.6
Em sua lógica impecável, Kardec argumenta que se Deus permite que haja reveladores para as verdades científicas, por que não haveria de permitir também os das verdades morais e religiosas? Nesse último caso, a revelação viria através de algumas pessoas designadas sob o nome de profetas ou messias.4 Se de um lado esse tipo de revelação gerou passividade absoluta e aceitação sem verificação, de outro, as revelações ocorridas em todas as religiões, em sua maioria, tiveram uma razão de ser providencial e foram, de alguma forma, apropriadas ao tempo e ao meio em que as pessoas viviam.No item 9 do referido capítulo, Kardec diz:
É, pois, rigorosamente exato dizer- se que quase todos os reveladores são médiuns inspirados, audientes ou videntes.
Mas, ressalva dizendo que
Daí, entretanto, não se deve concluir que todos os médiuns sejam reveladores, nem, ainda menos, intermediários diretos da divindade ou dos seus mensageiros.
No item 11, Kardec fala dos fenômenos espíritas que ocorreram em sua época, que demonstravam a possibilidade de comunicação com os seres do mundo espiritual, e que isso era uma verdadeira e importante revelação. Em resumo, no item 12, ele diz:
O Espiritismo, dando-nos a conhecer o mundo invisível que nos cerca e no meio do qual vivíamos sem o suspeitarmos, assim como as leis que o regem, suas relações com o mundo visível, a natureza e o estado dos seres que o habitam e, por conseguinte, o destino do homem depois da morte, é uma verdadeira revelação, na acepção científica da palavra.
E, em vista da importância para a nossa análise, vamos transcrever o item 13:
Por sua natureza, a revelação espírita tem duplo caráter: participa ao mesmo tempo da revelação divina e da revelação científica. PARTICIPA DA PRIMEIRA, porque foi providencial o seu aparecimento e não o resultado da iniciativa, nem de um desígnio premeditado do homem; porque os pontos fundamentais da doutrina provêm do ensino que deram os Espíritos encarregados por Deus de esclarecer os homens acerca de coisas que eles ignoravam, que não podiam aprender por si mesmos e que lhes importa conhecer, hoje que estão aptos a compreendê-las. PARTICIPA DA SEGUNDA, por não ser esse ensino privilégio de indivíduo algum, mas ministrado a todos do mesmo modo; por não serem os que o transmitem e os que o recebem seres passivos, dispensados do trabalho da observação e da pesquisa, por não renunciarem ao raciocínio e ao livre-arbítrio; porque não lhes é interdito o exame, mas ao contrário, recomendado; enfim, porque a doutrina não foi ditada completa, nem imposta à crença cega; porque é deduzida, pelo trabalho do homem, da observação dos fatos que os Espíritos lhe põem sob os olhos e das instruções que lhe dão, instruções que ele estuda, comenta, compara, a fim de tirar ele próprio as ilações e aplicações. Numa palavra, o que caracteriza a revelação espírita é o ser divina a sua origem e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem. (Destaques nossos.)
Em sua origem, o Espiritismo é divino, isto é, foi revelado pelas “vozes do céu”, mas como meio de elaboração, “o Espiritismo procede exatamente da mesma forma que as ciências positivas, aplicando o método experimental”.7 Esse duplo caráter torna o Espiritismo uma Doutrina inédita na Humanidade! Nem as teorias da Ciência, nem as doutrinas religiosas, em separado, possuem o duplo caráter destacado acima! É a combinação de ambas que fornece autenticidade e solidez únicas à Doutrina Espírita, levando-nos ao reforço de nossa fé na certeza de que, ao mesmo tempo que ela surgiu dos ensinos dos Espíritos, foi fruto de um esforço elaborado de observação e análise como se faz nas ciências. Em outras palavras, o melhor em matéria de revelação religiosa se uniu ao melhor em matéria de revelação científica para que o Espiritismo pudesse chegar à Humanidade! Tudo isso, como Kardec diz no item 20, fornece razões “para que o Espiritismo seja considerado a terceira das grandes revelações”.
O capítulo em estudo ainda se desdobra por diversas análises, dentre as quais se demonstra o caráter consolador do Espiritismo. Porém, o propósito desta matéria é destacar o caráter duplo da Revelação Espírita, e, para avaliarmos a importância disso, vamos fazer uma rápida comparação entre o Espiritismo e a Ciência e entre o Espiritismo e a obra mediúnica de Chico Xavier.
Ciência não é algo simples de se definir. O leitor mais interessado pode procurar na Filosofia da Ciência estudos aprofundados sobre o que é e como se faz Ciência.8 Podemos dizer que, em todos os tempos, a Ciência é fruto do esforço de homens e mulheres de gênio que dedicaram seu tempo ao trabalho de observação, pesquisa e investigação dos fenômenos da Natureza. Sabendo da influência do mundo espiritual, não podemos negar que alguns desses homens e mulheres de gênio tiveram inspirações de bons Espíritos, mas de modo algum tais inspirações constituem ensino dos Espíritos através do caráter religioso ou divino de uma revelação. Para corroborar essa afirmação, Kardec deixa claro no item 60 que
Os Espíritos não se manifestam para libertar do estudo e das pesquisas o homem, nem para lhe transmitirem, inteiramente pronta, nenhuma ciência.
Assim, por maior que seja o alcance da Ciência nos dias de hoje, todas as suas teorias possuem apenas o caráter científico da revelação.
Sobre a obra mediúnica de Chico Xavier, mesmo diante de todo o seu valor moral, literário e até científico, ela apenas possui o caráter da revelação divina ou religiosa, pois seu conteúdo não foi fruto da observação, investigação e pesquisa de nenhum encarnado. Chico foi o intermediário dos bons Espíritos para aprofundamento das verdades espirituais, todas elas de acordo com o Espiritismo e embasadas no mesmo. Isoladamente, as obras do Chico jamais constituiriam uma doutrina com o mesmo valor e caráter que o Espiritismo possui, simplesmente por não satisfazer o caráter científico de uma revelação.
A Revelação Espírita também apresenta uma característica que, como diz Kardec no item 55, ressalta das condições em que ela surgiu. Por se basear em fatos observados e investigados, o Espiritismo é progressista, como as ciências de observação. Isso, de um lado, significa que o Espiritismo não está fechado a novas descobertas mas, de outro, não significa que o Espiritismo está aberto sem critério a todas elas. Para que um conhecimento novo, científico ou religioso, seja aceito pelo Espiritismo, é necessário que, de acordo com o item 13 transcrito, seja empregado com esse conhecimento novo para que o duplo caráter da revelação espírita não seja prejudicado. Isso indica como deve evoluir o caráter progressivo do Espiritismo. Portanto, não será através de mensagens obtidas de Espíritos individuais por médiuns individuais que o Espiritismo progredirá, nem através de simples extrapolações e comparações entre conceitos modernos das nossas ciências materiais e os do Espiritismo. Será necessário que haja trabalhos de pesquisa e investigação de temas de interesse espírita para que os mesmos possam fazer parte desse aspecto progressista. De outra forma, teremos apenas opiniões isoladas sem comprovações. Obras isoladas e de autores menos conhecidos possuem, por conseguinte, muito menos valor como revelação e por essa razão devemos tomar cuidado com as novidades que surgem no meio espírita, incluindo-se aquelas que se consideram “embasadas” na Ciência.
Em conclusão, percebemos a importante e delicada tarefa de Kardec que, como homem de ciência, poderia ter apresentado o Espiritismo apenas como disciplina científica. Mas, aliando seu intelecto e bom senso ao sentimento idealista de servir à causa do bem, foi capaz de trabalhar na elaboração da mensagem dos bons Espíritos sem cair no excesso em nenhum dos dois lados possíveis: o da revelação religiosa ou da Ciência, cumprindo a tarefa de trazer a Doutrina dos Espíritos à Humanidade com todos os requisitos da Verdade que a mente humana exige e requer. Kardec fez mais: deu o exemplo de trabalho sério e de progresso!
Alexandre Fontes da Fonseca
REVISTA REFORMADOR
Abril de 2011
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